O Rio
Certa vez um Mestre Zen viajava com dois discípulos em silêncio por uma estrada lamacenta. Uma pesada chuva ainda caía, dificultando a caminhada.
Chegam a um riacho e eles encontraram uma bela rapariga sorridente, vestida com um quimono de seda, incapaz de cruzar o rio.
Era impossivel não reparar na beleza daquela jovem, que pergunta quase como uma provocação, quem a irá ajudar a atravessar o rio.
Os dois discípulos olham entre si e olham o mestre numa tentatativa de o interrogarem sobre quem deveria auxiliar a jovem na travessia... mas o mestre nada lhes diz.
Após algum tempo um dos discípulos avança:
"Venha, menina," disse ele. Erguendo-a em seus braços, ele carregou-a ao colo atravessando o riacho entre caricias e sorrisos.
Ao chegarem à outra margem ela dá-lhe um beijo, despede-se e o jovem volta a integrar o grupo sorridente.
O rosto do discípulo que permaneceu junto ao Mestre mostra-se perturbado mas manteve-se em silêncio.
Passaram-se horas de caminhada até que atingiram o alojamento do Templo.
Então ele não conseguiu continuar a conter-se mais, visto que tudo era agora diferente em si, daquilo que era habitual, derramou o seu chá, queimou-se no fogo que acendia... e assim interpelou o Mestre:
"Porque não repreendeste o meu irmão? Porque não lhe disseste que não podia aproximar-se daquela mulher? E não me digas que a resposta está no meu interior porque já não oiço nada. Preciso de entender!"
O Mestre olha-o com um misto de rigor e benevolência e diz-lhe:
"O teu irmão pegou na mulher numa margem e deixou-a na outra. Enquanto tu tomaste a mulher numa margem e todavia ainda não a deixaste..."
Quantas vezes nos esquecemos de soltar temas? Quantas vezes os arrastamos por tempos infindáveis sem nos darmos conta?